terça-feira, 31 de maio de 2011

Chama e fumo, Manuel Bandeira





CHAMA E FUMO
Amor - chama, e, depois, fumaça...
Medita no que vais fazer:
O fumo vem, a chama passa...

Gozo cruel, ventura escassa,
Dono do meu e do teu ser,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Tanto ele queima! e, por desgraça,
Queimado o que melhor houver,
O fumo vem, a chama passa...

Paixão puríssima ou devassa,
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

A cada par que a aurora enlaça,
Como é pungente o entardecer!
O fumo vem, a chama passa...

Antes, todo ele é gosto e graça.
Amor, fogueira linda a arder!
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Porquanto, mal se satisfaça
(Como te poderei dizer?...),
O fumo vem, a chama passa...

A chama queima. O fumo embaça.
Tão triste que é! Mas... tem de ser...
Amor?... - chama, e, depois, fumaça:
O fumo vem, a chama passa...

Teresópolis, 1911

Que tal ler mais este?

http://www.companhiadasletras.com.br/penguin/titulo.php?codigo=85027

sábado, 21 de maio de 2011

O Canto do Vento _ de Elenir Teixeira






Quando minha neta tinha uns três anos ou quatro anos, passeávamos de mãos dadas e ela falava baixinho sem parar. Perguntei-lhe : "Querida, você está conversando com quem?" Ela respondeu:" Com o vento,vovó. Ele está falando no meu ouvidinho. Só pra mim."

Quando meu neto, quatorze anos mais novo que a irmã, tinha uns três anos ou quatro anos, pegou minha mão, levou-me à varanda, no 11º andar, e , apontando com seus dedinhos, através das grades, disse: Olha , vovó, as folhinhas verdes dançando!Elas estão escutando música?" Eu respondi: Estão, querido, o vento canta e elas dançam."

Minha bisnetinha tem um ano. Estarei a seu lado quando ouvir cantar o vento?


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Obrigda, meu anjo, pela contribuição. E respondo: O anjo de guarda de sua bisnetinha vai dar-lhe esta e muitas outras alegrias, pois a menina tem uma avó de coração sensível e jovem. Sua beleza se mostra em seu sorriso nas fotos.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Um soneto de Camilo Castelo Branco




Comédia humana



Literatos! Chorai-me, que eu sou digno
Da vossa gemebunda e velha táctica!
Se acaso tendes crimes em gramática,
Farei que vos perdoe o Deus benigno.

Demais conheço a prosa inflada, enfática,
Com que chorais os mortos; e o maligno
Desafecto aos que vivem… Não me indigno…
Sei o que sois em teoria e em prática.

Quando o avô desta vã literatura
Garret, era levado á sepultura,
Viu-se a imprensa verter prantos sem fim…

Pois seis dos literatos mais magoados,
Saíram, nessa noite embriagados,
Da crapulosa tasca do Penim.
.
Nota: a tasca do Penim era frequentada por artistas e situava-se na Rua do Regedor (junto à Rua da Madalena na Baixa Pombalina).

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Entrevista a Saramago_ Todos os Nomes.

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In PÚBLICO de 25 de Outubro de 1997
"O presente é uma linha ténue"
Por Carlos Câmara Leme
"Todos os Nomes", o último livro de José Saramago, é um ensaio sobre a existência, com contornos policiais. Um ensaio pessimista. "Nada no mundo tem sentido", diz a personagem central do romance. A única que tem nome: José.
O novo romance de José Saramago mistura muitas coisas: uma história, um ensaio - de foro filosófico - e algo de novo na sua obra. Saramago está cada vez mais descrente do futuro da humanidade, e do homem. Ou seja, mais pessimista. Os lugares centrais do livro passam por uma Conservatória Geral e por um cemitério, onde todos nós, mortos e vivos, se confundem. Resta-nos viver o presente... É pouco. Se calhar é a única coisa que nos resta. A obra é lançada pela Caminho nos próximos dias e será apresentada a 3 de Novembro, em Lisboa, por Eduardo Lourenço. O PÚBLICO já leu o livro e entrevistou o autor de "O Ano da Morte de Ricardo Reis".
O que é "Todos os Nomes"? Um romance com muitos traços de um policial? Mais um ensaio sobre a existência? Sobre a procura da identidade?
Para haver romance policial são precisos, pelo menos, um criminoso e um polícia. Nada disso existe em "Todos os Nomes". Mas é verdade que o livro descreve uma procura, uma busca, que há nele uma investigação. A grande e decisiva diferença está no facto de que a pessoa procurada não sabe que a procuram e a pessoa que procura não tem a certeza de querer encontrar o objecto da sua busca. Que este romance possa ser entendido como um ensaio sobre a existência - talvez. Julgo que todos os livros o são, que escrevemos para saber o que significa "viver", e não já para tentar encontrar resposta às famosas perguntas: quem somos? Donde vimos? Para onde vamos?
Que o livro possa ser visto como uma indagação sobre a identidade, sim, mas não sobre a identidade própria. O que aqui se procura é o "outro".
O Sr. José - a personagem central do livro - é uma daquelas pessoas que levam a vida a coleccionar coisas, diz-se no início do livro - "talvez por não conseguirem suportar a ideia do caos como regedor único do universo". O Sr. José não se identifica desta maneira com o romancista José Saramago enquanto criador de mundos aos quais procura imprimir um sentido?
Não sou o Sr. José, embora lhe tenha dado o meu nome. E não me reconheço em nenhum dos seus comportamentos e características. Não temos o mesmo "modo de ser". Salvo essa ideia de que talvez seja possível pôr alguma ordem no que a não tem, ou, por outras palavras, resignar-se ao caos desde que seja possível traçar nele ao menos uma linha que una dois pontos. O que faço como romancista é tentar atar uns quantos fios soltos, deixar atrás de mim um pouco de sentido. Mesmo que não seja mais que o tão caluniado sentido comum...
"Não há nada que mais canse uma pessoa", diz o narrador, "que ter que lutar com o próprio espírito, com uma abstracção." Esse também é o trabalho do escritor? Como é que surgiu esta ideia de baralhar a vida dos mortos com a vida dos vivos? É a procura da natureza da fronteira que separa a vida da morte? Afinal, como se discute no último capítulo do livro, o que é mais sagrado: a vida ou a morte?
Todo o romance precisa de uma "história", mas um romance que não se tenha proposto mais que contar "essa história" interessa-me pouco. A explicação disto, provavelmente, encontra-se numa declaração que algumas vezes tenho feito, a de ser em ensaísta falhado que escreve romances porque não teve quem lhe ensinasse a escrever ensaios... Precisei sempre, para trabalhar, de uma ideia forte, ou de uma abstracção, se se quiser chamar-lhe assim. Mas as ideias, sejam elas fortes ou fracas, só da realidade é que podem nascer, os dados da imaginação são também dados de realidade. "Todos os Nomes" não existiria se eu não tivesse tido que procurar, investigar, como fui relatando ao longo dos "Cadernos de Lanzarote - IV", as circunstâncias do falecimento do meu irmão Francisco, em 1924. Nada dessa busca passou para o romance, mas o livro alimenta-se da minha própria vivência de Sr. José durante os meses que levei a procurar um garotinho que morreu com quatro anos no hospital de Lisboa.
Quanto ao que é mais sagrado, se a morte, se a vida, respondo que a vida. Mas nem toda a gente estará de acordo: a prova é que dar um pontapé a um vivo não suscitará qualquer advertência sobre o sagrado da vida, ao passo que tê-lo dado a um morto provocaria logo o protesto: "Tenha vergonha! A morte é sagrada!..."
Essa questão coloca-nos, de novo, perante a questão da identidade. Todos os nomes podem ser um só? O do Sr. José, perseguindo o destino de uma mulher e o seu próprio, não se confunde connosco? Com todos os josés do mundo?
Remeto para o "Ensaio sobre a Cegueira". Em certa altura a rapariga dos óculos escuros diz: "Há dentro de nós uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos." Comentando esta frase, escrevi há tempo: "Talvez o desejo mais profundo do ser humano seja poder dar-se a si mesmo o nome que lhe falta." Portanto todos somos uma espécie de senhores josés a quem anda a faltar o resto do nome.
Na epígrafe do livro lê-se: "Conheces o nome que te deram, não conheces o nome que tens." Quem diz o nome não pode dizer a vida? "Em rigor", diz de novo o narrador, "não tomamos decisões, são as decisões que nos tomam a nós." O acaso tem uma força imensa...
Torno à rapariga dos óculos escuros. A frase dita por ela e a epígrafe deste romance são complementares, encaixam perfeitamente uma na outra. Isto mostra, ao menos, que há alguma coerência nas ideias do autor... Quanto à "vida", não me parece que possa ocupar aqui o lugar do "nome". Quem sou eu? Um "ser humano" a quem deram o nome de "José Saramago". E isso que significa? Que significa ser-se "ser humano"? Que significa ser-se "José Saramago"? São apenas nomes que "me deram", não são o nome "que tenho". Também damos o nome de "acaso" a algo que nos dicionários se define assim: "Efeito resultante de um grande número de pequenas causas, independentes entre si, e funções de leis ignoradas ou mal conhecidas." Por outras palavras: o acaso não existe...

O ser no tempo
Reunir, como faz o chefe da conservatória, os papéis da vida e da morte não é demasiado borgiano? Não será esse o tema central do romance e a essência da busca do Sr. José?
Nunca nada será demasiado borgiano. Creio que os três escritores que melhor definem este século são Kafka, Pessoa e Borges, o que quer dizer que também nunca nada será "demasiado" pessoano ou kafkiano... O tema central do romance, como disse antes, é a procura do "outro", independentemente de estar vivo ou morto. Por isso o Sr. José continuará a "procurar" a mulher desconhecida, mesmo depois de saber que já não a poderá encontrar. Juntar os papéis dos vivos e dos mortos significa juntar toda a humanidade. Nada mais. Ou tudo isso.
À imagem do que acontece na esmagadora maioria dos seus livros, o problema do tempo, dos tempos, está também presente em "Todos os Nomes". Porquê essa obsessão?
Porque todas as outras obsessões não passam de meros afluentes desse mar.
Qual é o principal objecto da sua ficção: o tempo ou o ser? "O mais importante", lê-se, "era precisamente isso, o que o tempo faz mudar, e não o nome, que nunca varia"...
Não o ser por si só, não o tempo por si só, mas o ser no tempo. Parece uma frase de filósofo, peço perdão pelo atrevimento... Mas às vezes penso que o direito à filosofia deveria ser incluído entre os direitos humanos...
Ao contrário do que acontece com outras personagens femininas que criou - as mulheres fantásticas de "Memorial do Convento", de "Jangada de Pedra" ou de "Ensaio sobre a Cegueira" -, em "Todos os Nomes" não parece ser reconhecida à mulher e ao amor uma força tão excepcional. Porquê? Mas ainda há aqui, veladamente, uma história de amor?
É uma história de amor, ou melhor, uma história que poderia vir a ser de amor. A ansiedade do Sr. José é já uma ansiedade amorosa, embora ele não saiba ao princípio. Quanto à força, a tal força feminina que de facto está patente em outros romances, creio que ela também se encontra em "Todos os Nomes", na senhora do rés-do-chão direito. A diferença é que, desta vez, não se trata duma mulher nova, mas duma mulher de 70 anos. As outras mulheres são, de certo modo, "sobre-humanas", esta é "humana" simplesmente. A força, porém, está lá...
Um dos aspectos mais interessantes da obra é a existência de várias vozes que aqui e ali vão aparecendo. Uma delas chega a ser o tecto que dá conselhos ao Sr. José (como noutras obras eram os misteriosos cães que iam dando uns palpites). Qual é a importância dessas vozes? Até que ponto a sua introdução não é sinal de uma alteração na sua técnica narrativa?
Isso a que chama "vozes" já vem de "Levantado do Chão". São como projecções da consciência, ecos de um dizer ou de um pensar que se tornaram dialécticos ao expressar-se, neste caso ainda mais justificados pelo facto de o Sr. José ser um homem só. "Falar com as paredes" é uma expressão coloquial corrente, portanto o Sr. José não inventou nada quando fez do tecto da sua casa um interlocutor.
Além da conservatória, há um outro espaço fundamental e similar, em "Todos os Nomes": o do Cemitério Geral; espaços onde a vida e a morte se confundem. Porquê essa similitude? O narrador diz que o Cemitério Geral é "um catálogo perfeito, um mostruário (...) um inventário de todos os modos de ver, estar e habitar existentes até hoje", "o próprio coração do tempo". Porquê?
Uma conservatória única e um cemitério único, como são os deste romance, contêm logicamente, por essa mesma unicidade, todos os nomes. Quando cito aquela frase de Croce que diz que "toda a História é História contemporânea", quero dizer, à minha maneira, que tudo o que sucedeu está a suceder, que todos os mortos estão vivos, que não somos nada sem eles. O presente é uma linha ténue que se desloca ininterruptamente para o que chamamos futuro, ou talvez um "eixo" móvel sobre o qual o tempo vai rolando, segundo a segundo. Ou página a página.
Se, como escreve, "contra a morte não se pode fazer nada", por que é que "um Cemitério é como uma espécie de biblioteca onde o lugar dos livros se encontrasse ocupado por pessoas enterradas"?
É certo que, objectivamente, nada podemos contra a morte. Mas a memória, a memória "sobrevivente", faz pairar, sobre a morte, a vida. Muitas vezes se chamou a uma biblioteca não consultada cemitério de livros. É a primeira vez, suponho, que alguém teve a ideia de chamar a um cemitério biblioteca de pessoas. Tudo está em consultar ou não a biblioteca, qualquer que ela seja. A memória, quero dizer.
Por que razão o Sr. José escolhe "a verdade pela mentira", quando troca a tabuleta da mulher desconhecida por uma outra? Na vida, como na morte, tudo é relativo? Não há fio de Ariadne que nos norteie?
Quando o Sr. José troca a tabuleta, ela já tinha sido trocada antes. Talvez a nova troca tenha recolocado a tabuleta no seu lugar, talvez não. De todo o modo ele não o saberá. O importante não é perguntar "Onde estás?", mas sim "Quem foste?".
"Todos os Nomes" é uma busca ontológica? Ou é uma subversão das fronteiras entre verdade e mentira, vida e morte? Nada no mundo tem sentido, como murmura, no final do livro, o Sr. José?
Busca ontológica, sim. Mas sem mais pretensão que chegar aonde alcançasse, nesses domínios, o meu curto braço. Quanto ao sentido que a vida tenha, já não seria pouco que conseguíssemos ser, cada um de nós, o nosso próprio fio de Ariadne...

terça-feira, 10 de maio de 2011

Um carinho de amiga





SE AS COISAS FOSSEM MÃE

Sylvia Orthof


Se a lua fosse mãe, seria mãe das estrelas.
O céu seria sua casa, casa das estrelas belas.
Se a sereia fosse mãe, seria mãe dos peixinhos.
O mar seria um jardim e os barcos seus carrinhos.
Se a casa fosse mãe, seria a mãe das janelas.
Conversaria com a lua sobre as crianças estrelas
Falaria de receitas, pastéis de vento, quindins.
Emprestaria a cozinha pra lua fazer pudins !!!!
Se a terra fosse mãe, seria a mãe das sementes.
Pois mãe é tudo que abraça, acha graça e ama a gente.
Se uma fada fosse mãe, seria a mãe da alegria.
Toda mãe é um pouco fada...
Nossa mãe fada seria.
Se a bruxa fosse mãe, seria uma mãe gozada;
Seria a mãe das vassouras, da família vassourada.
Se a chaleira fosse mãe, seria a mãe da água fervida,
Faria chá e remédio para as doenças da vida.
Se a mesa fosse mãe, as filhas, sendo cadeiras,
Sentariam comportadas, teriam boas maneiras.
Cada mãe é diferente. Mãe verdadeira ou postiça,
Mãe vovó ou mãe titia,
Toda Mãe é como eu disse!
Dona Mamãe ralha e beija, erra, acerta, arruma a mesa,
Cozinha, escreve, trabalha fora,
Ri, esquece, lembra e chora,
Traz remédio e sobremesa...
Tem até pai que é “tipo-mãe”...

Esse, então, é uma beleza!

sábado, 7 de maio de 2011

Eu sou trezentos, M.de Andrade

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
Ôh espelhos, ôh! Pirineus! ôh caiçaras!
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!

Abraço no meu leito as milhores palavras,
E os suspiros que dou são violinos alheios;
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
Mas um dia afinal eu toparei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo

quarta-feira, 4 de maio de 2011









Poema Elegía Pura de Eduardo Carranza



Aún me dura la melancolía.
Allá por el sinfín cantaba un gallo
agrandando el silencio perla y malva
en que el lucero azul se disolvía.

Olía a cielo, a ella, a poesía.
Sin volver a mirar me fui a caballo.
Maduraban las frutas y sus frutas.
A ella y a jardín secreto, olía.

Me fui, me fui como por un romance
donde fuera el doncel que nunca vuelve…
la casa se quedó con su ventana,

hundida entre la ausencia, al pie del alba.
Flotó su mano y yo me fui a caballo.
Aún me dura la melancolía.